O impacto das uniões prematuras na educação, saúde e nutrição em Moçambique

Thomas Selemane

Este estudo sobre o impacto das uniões prematuras na educação, saúde e nutrição, da iniciativa da Rede da Sociedade Civil para os Direitos da Criança (ROSC) e realizado no âmbito das actividades da Coligação para a Eliminação dos Casamentos Prematuros (CECAP), foi elaborado com quatro finalidades: primeira, contribuir para o debate sobre o impacto socioeconómico das uniões prematuras; segunda, elucidar aos actores-chave sobre as consequências das uniões prematuras para o desenvolvimento do país; terceira, despertar a consciência dos decisores políticos e da sociedade no geral sobre os impactos negativos das uniões prematuras na educação, saúde e nutrição; quarta e última finalidade, contribuir para despertar a atenção para a necessidade do desenho de programas, políticas e leis que visam mitigar os impactos negativos das uniões prematuras.

O estudo foi realizado usando a metodologia da economia política do desenvolvimento (Political Economy Analysis – análise de economia política), mormente a abordagem que faz a ponte entre as preocupações tradicionais da política e da economia, concentrando-se na análise de como o poder e os recursos (humanos, materiais, financeiros) são distribuídos e contestados, e que implicações esse processo traz no desenvolvimento (Bond, 2018; Hudson e Leftwich, 2014; Leftwich, 2011).

Uma parte da análise dos impactos das uniões prematuras na educação, saúde e nutrição é feita com recurso aos efeitos da desnutrição crónica como proxy. Em casos em que temos fenómenos de difícil medição (seja pela sua natureza, seja pela inexistência de dados numéricos, ou por outro motivo), a ciência económica e outras ciências também utilizam proxies – que são aproximações, não no sentido de arredondamento, mas no sentido de implicações, trata-se de medir o impacto de um problema mais facilmente mensurável, sabendo-se de antemão que esse problema mensurável é consequência daquele outro problema de difícil observação directa e medição.

O estudo identifica três causas principais das uniões prematuras, corroborando com estudos anteriores (Osório 2015; UNICEF 2015; MISAU 2012), sendo a primeira a predominância da cultura patriarcal na sociedade moçambicana; a segunda, a modalidade e determinados conteúdos dos ritos de iniciação, na medida em que uma parte do conteúdo desses ritos assenta na promoção de um quadro cognitivo-cultural de “formatação da mentalidade” das crianças para serem seguidoras cegas da cultura patriarcal. A terceira causa é a pobreza multidimensional (de rendimento, de consumo). Sobre esta última, nota-se que o recurso à união prematura como fuga da pobreza perpetua-a ao invés de mitigá-la.

O estudo conclui que as uniões prematuras são um problema muito grave, um grande impedimento do desenvolvimento de Moçambique. Por que é que o poder político não assume tal gravidade do problema? Por falta de vontade política, informaram várias pessoas consultadas no decurso deste estudo. Ora, como é que se cria vontade política? Só pela via da pressão social. Os governantes priorizam as questões do interesse de quem mais os pressiona, seja por via financeira (quem financia campanhas eleitorais), seja por via política (quem decide quem vai governar, por via do seu voto). Então, as organizações da sociedade civil estão em boa posição de obrigar o poder político a ter ‘vontade política’ de resolver o problema das uniões prematuras.

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